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Para onde vai o amor?

Para ouvir durante a leitura:


Quando deixo de amar, não fico aliviado, eu fico triste. 
Já faz um bom tempo que ando triste. Pode a tristeza se mascarar de alegria, quando se deixa de amar? 

Porque é se despedir de uma grande parte da própria vida, é se desapegar de um sentimento que julgava único. É triste deixar de amar. Profundamente triste. É sacrificar a personalidade, é nunca mais usar um jeito de reagir e de falar, nunca mais usar um jeito de beijar e de abraçar, nunca mais usar um jeito de transar e ser feliz. 
Passo a pensar: onde foi parar todo aquele amor? Onde é que ele se escondeu? Será que desapareceu ou está apenas dormindo?

Acho que a contradição desse momento eu nunca saberei explicar. Como pode? Olho nossos retratos recentes, olho nossas recordações da última vez que estivemos juntos no meu lugar favorito do mundo e não consigo crer que tenha se desmanchado. Acho que foi a falta de sono naquela última noite. Ou a neve que invejosa de suspiros calorosos, os tirou de mim.

Será que terminou mesmo ou é fingimento para suportar a falta? Será que minto para mim para não sofrer tanto? Será que o amor é um segredo disfarçado de fim? Será que minha solidão agora é soberba? Será que meu contentamento é uma cilada? Será que me embriaguei de palavras e esqueci o caminho de volta? 
Onde estão aquelas declarações apaixonadas? Em que parte distante de mim, já que não sobem mais aos olhos? 
Para onde foram a algazarra da convivência, os passeios, as viagens, as mãos dadas, os risos, a cumplicidade das festas, as brincadeiras, o sono de conchinha, as conversas até tarde? 
Para onde foram a ansiedade, o ciúme, a saudade, o desespero de não ver mais, as implicâncias ruidosas, as concordâncias silenciosas? 
Para onde vai o amor após sumirem as fotos, os quadros, as mensagens de texto, os bilhetes de flores? 
Quando não há mais dor para sinalizar onde se mantinha o amor. Quando não há mais desespero para apontar onde se guardava o amor. Quando não restam lápide, campa, cicatriz, rua, aliança para ostentar sua lembrança. 
Em que parada de Porto Alegre (ou de São Paulo, ou de Paris) desembarca a comoção perdida? Qual a estação em que o amor acena e evapora? Que planeta, que dimensão, que oceano? 
Acho que nosso amor evaporou no dia em que mesmo gritando, paramos de nos ouvir. Mesmo sorrindo, não fazíamos mais questão das mãos dadas. Mesmo sabendo, não ligávamos mais para os sonhos do outro. Mesmo juntos, atravessamos o oceano separados. Mesmo… mesmo com tantas alegrias, a dor se tornou mais forte. 
Ou ele se transforma numa mania nova, num modo de suspirar, de virar o rosto, de mexer as orelhas? Ou ele se converte em cinismo religioso, em maldade com os palhaços, em ironia com os noivos, em raiva com qualquer save the date dos amigos? 
Para onde vai o amor depois do amor? Me fale, por favor. 
É difícil seguir quando se sente que não há mais amor. Amor sempre foi a palavra e o sentimento que norteou minha vida, meus projetos, minhas decisões. Se não houvesse amor, ali eu não ficaria. Era tudo tão mais simples. Quando ficou complicado? 
Quando passou a doer mais do que acarinhar? Quando se transformou em sépia, aquele belo quadro? 
Quando passou a ser passado que era tão presente? 
As lágrimas, quando secam, permanecem eternamente na pele?
Não sei. Mas meu rosto está cada vez mais salgado.

Carpinejar (com toques de Camilla Carvalho) 

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